Uma Boa Leitura  

Janelas

por Karina Perussi


Abertas, cheias de esperança
Fechadas, apenas janelas
Por elas vemos o mundo
O cotidiano é revelado por elas
Janelas que escondem dores
Janelas que presenciam amores
Janelas
Como será por trás delas?
Janelas que revelam
Outras que ocultam
Janelas que nos libertam
Janelas que nos esperam
Janelas
Debruçamos e sonhamos nelas
Janelas que se fecham à noite
A vida é cheia delas
Janelas que se abrem como livros
Janelas que contam histórias
Janelas modernas, outras antigas
Janelas que iluminam
Janelas que silenciam
Janelas que espiam
Janelas,
A luz do sol entra por elas
Janelas da nossa alma,
Como seria sem elas?

Uma Boa Leitura  

Poema Antigo

Por Caio Fernando Abreu

Está tudo planejado:
se amanhã o dia for cinzento,
se houver chuva
se houver vento,
ou se eu estiver cansado
dessa antiga melancolia
cinza fria
sobre as coisas
conhecidas pela casa
a mesa posta
e gasta
está tudo planejado
apago as luzes, no escuro
e abro o gás
de-fi-ni-ti-va-men-te
ou então
visto minhas calças vermelhas
e procuro uma festa
onde possa dançar rock
até cair

(Publicado na Revista Bravo! Fevereiro/ 2006)

Uma Boa Leitura  

Os Ombros Suportam o Mundo, por Carlos Drummond de Andrade

Por Carlos Drummond de Andrade

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.

Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.

Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.

Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Uma Boa Leitura  

Dar não é fazer Amor

BOA LEITURA - Desordem Pública

Por Luís Fernando Veríssimo

Dar é dar.
Fazer amor é lindo, é sublime, é encantador, é esplêndido.
Mas dar é bom pra cacete.
Dar é aquela coisa que alguém te puxa os cabelos da nuca…
Te chama de nomes que eu não escreveria…
Não te vira com delicadeza…
Não sente vergonha de ritmos animais. Dar é bom.
Melhor do que dar, só dar por dar.
Dar sem querer casar….
Sem querer apresentar pra mãe…
Sem querer dar o primeiro abraço no Ano Novo.
Dar porque o cara te esquenta a coluna vertebral…
Te amolece o gingado…
Te molha o instinto.
Dar porque a vida é estressante e dar relaxa.
Dar porque se você não der para ele hoje, vai dar amanhã, ou depois de amanhã.
Tem pessoas que você vai acabar dando, não tem jeito.
Dar sem esperar ouvir promessas, sem esperar ouvir carinhos, sem
esperar ouvir futuro.
Dar é bom, na hora.
Durante um mês.
Para os mais desavisados, talvez anos.

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