Uma Boa Leitura  

Cartas de Amor

por Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

Todas as cartas de amor são ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras, ridículas.

As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser ridículas.

Mas, afinal, só as criaturas que nunca

escreveram cartas de amor é que são ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso cartas de amor ridículas.

A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor é que são ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas, como os sentimentos esdrúxulos,

são naturalmente ridículas.)

Uma Boa Leitura  

Escrever, por Fernando Pessoa

Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm.

A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida – umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida.

Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.

Uma Boa Leitura  

Chove. Que fiz eu da vida?

por Fernando Pessoa

Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim…
De pensada, mal vivida…
Triste de quem é assim!

Numa angústia sem remédio
Tenho febre na alma, e, ao ser,
Tenho saudade, entre o tédio,
Só do que nunca quis ter…

Quem eu pudera ter sido,
Que é dele? Entre ódios pequenos
De mim, estou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!

Uma Boa Leitura  

Quando uma etapa chega ao final

Por Fernando Pessoa

Sempre é preciso saber quando uma etapa chega ao final…
Se insistirmos em permanecer nela mais do que o tempo necessário, perdemos a alegria e o sentido das outras etapas que precisamos viver.
Encerrando ciclos, fechando portas, terminando capítulos. Não importa o nome que damos, o que importa é deixar no passado os momentos da vida que já se acabaram.
Foi despedida do trabalho? Terminou uma relação? Deixou a casa dos pais? Partiu para viver em outro país? A amizade tão longamente cultivada desapareceu sem explicações?
Você pode passar muito tempo se perguntando por que isso aconteceu….
Pode dizer para si mesmo que não dará mais um passo enquanto não entender as razões que levaram certas coisas, que eram tão importantes e sólidas em sua vida, serem subitamente transformadas em pó. Mas tal atitude será um desgaste imenso para todos: seus pais, seus amigos, seus filhos, seus irmãos, todos estarão encerrando capítulos, virando a folha, seguindo adiante, e todos sofrerão ao ver que você está parado.
Ninguém pode estar ao mesmo tempo no presente e no passado, nem mesmo quando tentamos entender as coisas que acontecem conosco.
O que passou não voltará: não podemos ser eternamente meninos, adolescentes tardios, filhos que se sentem culpados ou rancorosos com os pais, amantes que revivem noite e dia uma ligação com quem já foi embora e não tem a menor intenção de voltar.

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