Uma Boa Leitura  

Precisa-se, por Clarice Lispector

por Clarice Lispector

Sendo este um jornal por excelência, e por excelência dos precisa-se e oferece-se, vou pôr um anúncio em negrito:

Precisa-se de alguém homem ou mulher que ajude uma pessoa a ficar contente porque esta está tão contente que não pode ficar sozinha com a alegria, e precisa reparti-la. Paga-se extraordinariamente bem: minuto por minuto paga-se com a própria alegria. É urgente pois a alegria dessa pessoa é fugaz como estrelas cadentes, que até parece que só se as viu depois que tombaram; precisa-se urgente antes da noite cair porque a noite é muito perigosa e nenhuma ajuda é possível e fica tarde demais. Essa pessoa que atenda ao anúncio só tem folga depois que passa o horror do domingo que fere. Não faz mal que venha uma pessoa triste porque a alegria que se dá é tão grande que se tem que a repartir antes que se transforme em drama. Implora-se também que venha, implora-se com a humildade da alegria-sem-motivo. Em troca oferece-se também uma casa com todas as luzes acesas como numa festa de bailarinos. Dá-se o direito de dispor da copa e da cozinha, e da sala de estar.

P.S. Não se precisa de prática. E se pede desculpa por estar num anúncio a dilarecerar os outros. Mas juro que há em meu rosto sério uma alegria até mesmo divina para dar.

Uma Boa Leitura  

Delírio, por Olavo Bilac

por Olavo Bilac

Nua, mas para o amor não cabe o pejo
Na minha a sua boca eu comprimia.
E, em frêmitos carnais, ela dizia:
– Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

Na inconsciência bruta do meu desejo
Fremente, a minha boca obedecia,
E os seus seios, tão rígidos mordia,
Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

Em suspiros de gozos infinitos
Disse-me ela, ainda quase em grito:
– Mais abaixo, meu bem! – num frenesi.

No seu ventre pousei a minha boca,
– Mais abaixo, meu bem! – disse ela, louca,
Moralistas, perdoai! Obedeci…

Uma Boa Leitura  

Seiscentos e Sessenta e Seis

por Mário Quintana

 A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…

Quando se vê, já é 6ªfeira…

Quando se vê, passaram 60 anos…

Agora, é tarde demais para ser reprovado…

E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,

eu nem olhava o relógio.

seguia sempre, sempre em frente…

 

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.