No início desta semana fomos surpreendidos com a notícia de um suposto estupro que teria ocorrido no reality show Big Brother Brasil, transmitido pela Rede Globo. O assunto rapidamente tomou conta das redes sociais e virou notícia em programas de TV, rádio, jornais e revistas.

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Deixando o lado factual e refletindo um pouco sobre o assunto, o que podemos aferir à respeito do estupro no Brasil?  Clique e ouça nosso podcast:

Mais análises em http://criandocondicoesaliberdade.blogspot.com

Íntegra do áudio:

Na última madrugada de domingo para segunda-feira, o programa Big Brother Brasil, transmitido pela Rede Globo, realizou uma festa que terminou com uma polêmica que pode ser ouvida em cada rachadura deste país. O participante Daniel supostamente teria estuprado a participante Monique na frente de câmeras que transmitem imagens para todo o país.

Após conversar com Monique, o diretor do programa relata que, segundo a participante, não houve sexo e nada do que aconteceu foi contra a sua vontade. O mesmo argumento mantêm-se por parte de ambos, dias após o ocorrido, em depoimentos para a policia. Embora não tenhamos certeza de quão consciente Monique estava naquele momento, a gaucha aparentava ser incapaz de julgar o ocorrido, apresentando dúvidas sobre o que de fato aconteceu. No fim, a palavra da participante dará o veredito.

É importante lembrar que pessoas que sofrem abusos sexuais ou estupros acabam ficando confusas sobre o que de fato aconteceu, mas isso não quer dizer que este seja o caso de Monique.

O filme “Confiar”, que conta a história de uma adolescente seduzida por um homem de cerca de 40 anos pela internet, retrata, claramente, a negação da vítima em acreditar que de fato foi estuprada.

Mas para avaliar se aconteceu ou não estupro, antes é necessário sabermos com exatidão o que é estupro. E segundo o artigo 217-A do Código Penal \ o estupro acontece através de ações relacionadas com violência, constrangimento ou ameaça com intuitos sexuais, também em casos não consensuais, por enfermidade ou deficiência mental, quando não tem-se o discernimento necessário para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. E sim, independentemente de penetração, é estupro, segundo a definição da Lei 12.015 de 2009.

Sabemos que não houve violência, constrangimento e nem ameaça. A dúvida está no aproveitamento de um momento de debilidade da garota, que não era capaz de oferecer resistência. Tanto em casos da vítima estar bêbada, desmaiada, ou ter passado mal, sem condição nenhuma de consentir, se a outra pessoa resolver seguir adiante, é estupro. 

É necessário esclarecer que o estupro não ocorre somente quando um psicopata armado te aborda na rua e te obriga a fazer sexo com ele. Na verdade, a maioria dos estupros são cometidos por pessoas conhecidas.

Espantosamente, dados da Organização Mundial da Saúde de 2002 relatam que, em alguns países, cerca de 47% das mulheres declaram que sua primeira relação sexual foi forçada pelo parceiro. A proporção de mulheres que disseram ter sido vítimas de uma tentativa de abuso ou que foram forçadas por um companheiro íntimo a fazer sexo em algum momento de suas vidas é de 10,1% no Brasil e chega a 46,7% no Peru.

A diretora da Delegacia da Mulher de São Paulo conta que grande parte dos abusos é realizada por pais, padrastos, parentes próximos, colegas e namorados. Muitas vezes é o próprio marido quem o faz. Dados recentes estão na tabela abaixo.

DADOS DE DENUNCIAS DE ESTUPRO

Pai: 52%

Padrasto: 32%

Tio: 8%

Mãe: 4%

Avô:  2%

Primo/Cunhado: 1%

Essas vítimas que são violentadas por alguém da família não o entregam à polícia porque relatam terem medo de passar fome ou morar na rua. Sabe-se que o estupro é o crime com maior “cifra negra”, ou seja, casos que não são denunciados.

E estes danos nem se comparam com os traumas deixados por este crime. Um dos traumas mais graves, segundo a coordenadora do curso de psicologia do Centro Universitário Adventista de São Paulo, Tercia Pepe Barbalho, acontece, pois, durante o estupro, o corpo da mulher pode produzir secreções responsáveis pela lubrificação e até mesmo uma estranha excitação. Quando o fato ocorre, pode levar a pessoa a sentir culpa pelo que aconteceu. Muitos desses casos acabam com um trágico fim – o suicídio.

É importante ressaltar que se trata de uma defesa do organismo e não significa que houve de fato o prazer ou consentimento. As vítimas se sentem como se tivessem perdido valores íntimos. O mínimo que acontece é uma insensibilidade temporária dos órgãos genitais.

Cada pessoa absorve o trauma de uma forma diferente, de acordo com a experiência de vida, valores e crenças. E os resultados psicológicos menos pontuais são diversos, podendo acarretar problemas como: obesidade, anorexia, alergias, problemas digestivos, taquicardia, tontura, falta de ar, uso de bebida, cigarro e drogas.

Dependendo da intensidade do trauma, em alguns casos, é preciso que um médico receite medicamentos que variam de pessoa para pessoa.

Deve ser pontuado que: “mulheres não são estupradas porque são vagabundas ou usaram saias curtas; elas são estupradas porque alguém as estuprou”.

Existe um valor que permeia uma sociedade machista que diz que a mulher muitas vezes tem certa culpa – por sair com roupa curta, se insinuar para os homens, etc. Mas se uma pessoa esquece a porta de casa aberta e um ladrão entra e leva tudo, a culpa deixa de ser do ladrão e passa a ser da vítima? A pessoa pode ter sido descuidada ou irresponsável, ou o que quer que seja, mas isso não diminui a responsabilidade e o crime do ladrão.

Falar que tirar a responsabilidade da vítima por ter bebido é o mesmo que tirar a responsabilidade do motorista que bebeu e causou um acidente, como ouvi dizer, é um verdadeiro absurdo. A vítima não cometeu crime algum. Beber, ficar bêbada e ir dormir não é crime. Dirigir bêbado e estuprar são.

A penalidade para uma pessoa que tenha cometido o estupro varia de6 a10 anos de prisão em regime fechado, de acordo com o artigo 213 do Código Penal Brasileiro. O crime é inafiançável e a possibilidade de condicional ocorre apenas depois de cumprir dois terços da pena.

Não estou falando exatamente do caso do BBB, estou falando de vários casos. Nem assisto o BBB. Comentários preconceituosos tem que acabar, como: “Ela fez por merecer, isso que dá agir desta forma, se ela estivesse sóbria, quietinha, nada disso teria acontecido!”. É hora da sociedade parar de tirar a liberdade das mulheres, fingindo protegê-las através de um preconceito dissimulado. Isso é muito importante, porque há muitas mulheres violentadas no Brasil todos os dias.

Na região metropolitana da cidade de São Paulo são atendidas só no hospital Sírio-Libanês cerca de 15 meninas e mulheres procurando ajuda após terem sido vítimas de estupro. Somando com alguns outros pontos de atendimento, da mesma região, pode-se chegar a até 40 vítimas diárias.

Muitas vão atrás da denúncia, enquanto outras vão em busca de ajuda e aconselhamento médico.

Uma das coisas mais assustadoras que me vêem à cabeça é imaginar quantas ainda sofrem caladas e omitem o real número de vítimas a cada dia.

E esta dificuldade das vítimas me parece, em certo ponto, totalmente compreensível, já que a exposição, humilhação e sofrimento da mesma deve ser algo devastador. Dificilmente veremos uma vítima de violência sexual contando abertamente em uma rodinha de amigos sobre o quão terrível foi o ocorrido.

A violação da intimidade quando vamos falar de boas experiências já nos parece algo tão difícil de ser comentado, agora imagine quão brutal é para as vítimas de violência sexual.

Saibam que por ano são feitos cerca de 800 abortos pelo hospital Sírio-Libanês, cerca de 70% de todas as solicitações. Talvez vocês estejam pensando o que acontece com o restante das solicitações. Simplesmente algumas mulheres desistem antes de terem documentado e notificado tudo o que é necessário para a permissão do aborto, desaparecendo. Já outras, chegam para obter a permissão do aborto próximo ao nascimento do bebê, o que de fato muitas vezes poderia causar certo perigo para a mãe, e ao mesmo tempo não seria nada ético diante uma vida quase no mundo.

Geralmente, estas mulheres, para prosseguirem com a gravidez, não podem conseguir ligá-la a nada do ocorrido com elas, já que caso contrário o resultado poderá ser uma aversão ao bebê. E as mulheres que, mesmo assim, pretendem continuar com a gravidez, devem ter dos hospitais o compromisso de acompanhá-las para que elas tenham um excelente pré-natal.

Para finalizar, e voltando ao tema do BBB, a produção do programa, como esperado, tentou minimizar o acontecido. A edição na festa daquela noite mostra uma Monique sexy e provocadora, que flertava com Daniel. Mas o que se comenta é que ela agiu da mesma forma, também com outros integrantes. Até chorou ao lado de outra participante pelo ex-namorado. E ao final da edição Pedro Bial disse: “O amor é lindo!”. Não esperaria nada menos de uma indústria.  

Não se limitem ao estupro no BBB, pensemos numa sociedade mais justa, foquemos a aprender a não estuprar. Faz-se necessário uma mudança de pensamento em relação ao estupro, é essencial compreender o valor da escolha da mulher.

Talvez, em grande parte dos casos, tudo não passe de um mal entendido, e pessoas como o Daniel, apenas estejam desprovidas de uma real compreensão sobre o que de fato é o estupro e quão grande é o poder de coerção e imposição que exercem sobre as mulheres – sem violência física, são capazes de fazer com que estas ajam contra sua própria vontade.

A questão que fica é: dentre os pais que controlam o tamanho das saias das filhas, quantos já convidaram seus filhos para uma conversa sobre seus hormônios, impulsos e o estupro?

A lição que podemos tirar dos últimos acontecimentos é: em caso de dúvida, não estupre. Está em poder dos homens acabar com este crime.

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