O ódio não cessa com ódio em tempo algum, o ódio cessa com o amor

Sutta Pitaka

Há algum tempo estou querendo postar sobre a campanha UNHATE, um projeto criado pela Benetton com a finalidade de chamar a atenção ao mundo, de uma maneira muito criativa e extremamente ousada, sobre temas hoje muito complexos como a proximidade entre os povos, suas culturas, crenças e a convivência pacífica entre ambos.

A campanha repercutiu em todo o mundo, gerando grande polêmica pela estratégia adotada: montagens através de fotos de grandes líderes políticos e religiosos se beijando na boca. Segundo a Benneton, o tema central da campanha é o beijo, considerado o símbolo universal do amor. Nas diversas imagens que compõem a campanha, Barack Obama beija o líder chinês Hu Jintao e o presidente venezuelano Hugo Chavez; o presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, beija o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu; a chanceler alemã Angela Merkel dá um selinho no presidente francês Nicolas Sarkozy; e os presidentes das duas Coreias trocam outro beijo.

Papa Bento XVI beija o imã sunita egípcio Ahmed el Tayeb, em campanha da Benetton. A Igreja Católica repudiou a imagem, dizendo que era “uma grave falta de respeito com o papa” e “uma ofensa aos sentimentos dos fiéis”. Logo depois ameaçou a empresa de processo, que retirou a montagem de seu site.

Acompanhando a repercussão da campanha pela internet, verifiquei que dentre todas as opiniões negativas à campanha, a maior parte consistia na crítica à foto entre o líder católico e o imã sunita. De fato, um beijo entre dois homens é um choque para ambas as religiões por eles representadas. Mas… por que um simples beijo pode incomodar tanto? Por que um simples beijo pode, ao invés de combater o ódio, gerar o ódio de dentro da própria Igreja, que deveria ser a instituição mais nobre e fraterna do mundo? Por que as pessoas cultuam valores que geram o ódio ao invés de combatê-lo?

O fato é que a campanha, além de seguir um antiga tradição da Benetton em “chocar o público”, trabalha três problemas complexos do mundo contemporâneo: a intolerância política, religiosa e sexual. Todas as imagens sintetizam isso (exceto a que a chanceler alemã beija o presidente francês, que seria uma “foto hétero”). Muitos se sentiram escandalizados com o gesto, mas poucos (ou quase ninguém)  refletiram o porquê destes escândalos, e não falo daqueles que questionaram as técnicas ou estratégias utilizadas, mas daqueles que acharam as imagens inapropriadas e apelativas.

Qual o porquê de pensarem cada centímetro das fotos como escândalos? São apenas beijos. E simbólicos. Mas boa parte da reação à propaganda demonstra que nem todos estão preparados para vencer o ódio e aceitar a diferença; cada um exibe uma convicção sólida e imutável, que julga o único caminho para todos os outros, ignorando a existência e coexistência com o diferente.

Felizmente, a receptividade da campanha foi muito positiva. E por mais que uma campanha como esta possa chocar várias pessoas, é apenas desta forma que pode-se gerar a reflexão, a quebra de paradigmas, a desordem da ordem. Se a Benetton vai vender mais roupas, isso pouco importa. O que interessa é o pequeno redemoinho de porquês que pode surgir na cabeça das pessoas.

Aliás, se você achou a campanha inapropriada ou apelativa, pode ser que dentro de você habite, em algum lugar por mais escondido que seja, um pouquinho de intolerância política, religiosa ou sexual. Pense nisto.

Desordem Pública

Blog de humor e entretenimento que aborda assuntos do cotidiano de maneira descontraída, bem humorada e crítica, com o aval de um Anjinho e um Diabinho. Vencedor de 7 Oscars, 13 Prêmios Emmy, 15 Troféus Imprensa, 20 Shows do Milhão e de todas as edições do Passa ou Repassa.