O Brasil comprou a Copa!“. “O avião do candidato a presidente foi alvo de atentado a bomba!“. “A candidata usou ponto eletrônico no debate!“. “O doleiro denunciante foi envenenado às vésperas da eleição!“. “As eleições foram fraudadas!“. “O golpe comunista vem aí!!!“. Uma mentira contada várias vezes acaba se tornando verdade, por mais absurda que possa parecer. Com as redes sociais, uma mentira publicada uma vez pode ser compartilhada, ou seja, recontada milhares de vezes. E aí torna-se uma “verdade”, mas uma “verdade” conhecida e endossada por muita gente.

A viralização da boataria, do hoax ou notícia falsa é extremamente problemática, ainda mais quando o campo de atuação da mentira é a política, ou melhor, o jogo político-eleitoral. Neste quesito geralmente faltam escrúpulos e sobra criatividade, e quem se dá mal no final das contas é sempre a democracia. Pra piorar um pouco mais esse cenário, temos nas redes um grande número de pessoas que resolveu se interessar por política há pouquíssimo tempo e que tem péssimos hábitos: apresenta dificuldade em interpretar textos (e entender ironias), lê e julga notícias apenas pelos seus títulos, sem clicar para ler o resto do conteúdo (os principais portais de notícias sabem disso e trabalham muito bem estes títulos – afinal, não importa informar, e sim ganhar likes e interações), e compartilha qualquer coisa que aparece na timeline. Qualquer coisa. Desde a montagem mais boba até a notícia mais ilógica. Não existe o menor trabalho de checar a veracidade da informação e a credibilidade do emissor.

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A onda de boatos prejudicou o já fragilizado debate político-eleitoral

Um grupo esperto e rasteiro resolveu se aproveitar bem disso: formado por conservadores e viúvas da ditadura militar, e que já havia botado as asinhas de fora no meio do ano, ele voltou com mais força e número. Se aproveitando da péssima condução da economia feita pelo governo e estarrecidos pela visibilidade que muitos movimentos sociais ganharam a partir de junho/2013, essa galera reacionária passou a espalhar absurdos aos quatro ventos, como um iminente golpe bolivariano/comunista no Brasil, estratégias totalitárias para a implantação do socialismo e a transformação em curso do país em Cuba/Venezuela (utilizando médicos cubanos como soldados para o golpe – WTF???). Coisa de doido, né? Mas capaz de convencer um montão de gente, principalmente aqueles com os péssimos hábitos descritos lá em cima. E os absurdos, contados milhares de vezes, ganham ares de “onde há fumaça, há fogo”.

No auge da luta contra o nazismo na Europa, a indústria cinematográfica norte-americana produziu vasto material com propaganda contra o regime. Um exemplo é o desenho animado Chicken Little (1943), de Walt Disney, e famoso por demonstrar como a boataria utilizada como forma de impôr o medo na população é uma das táticas mais clássicas do fascismo, que adora proclamar uma ameaça iminente de tomada ou “inversão” do país por inimigos estranhos (internos e/ou externos) e se posicionar como um movimento de bravos heróis que salvarão a pátria, munidos de um nacionalismo exacerbado e do grande uso da força e do autoritarismo.

O livro que a raposa lê, cujo título é “Psychology”,  teria originalmente o título “Mein Kempf”, que foi mudado na versão final do desenho. Contudo, todas as citações feitas pela raposa foram retiradas do livro de Hitler. Ironicamente, esta mesma estratégia alardeada pelos norteamericanos foi utilizada por eles mesmos após o final da Segunda Guerra Mundial, onde, dentro do contexto geopolítico da Guerra Fria, era necessário minar qualquer tipo de influência da União Soviética sobre qualquer país, nem que para isso fosse preciso espalhar aos quatro cantos a ameaça iminente do comunismo no mundo. Esta estratégia deu respaldo a intervenções norteamericanas em diversos países, como a ditadura que o Brasil viveu, e ainda hoje é reproduzida utilizando-se dos mesmos boatos.

Motivos para criticar a gestão do governo federal não faltam. São todos evidentes e fartos. Porém, quando os argumentos se baseiam em boatos ou teorias conspiratórias, fica evidente que os que clamam por democracia nem sempre se importam muito com ela. Com tantos absurdos do tipo nas redes, não é comum a gente ver em nossa timeline gente reiterando que o Brasil vai virar Cuba (WTF???), vai virar Venezuela (WTF???), e vai virar uma república bolivariana (WTF???). Um partido que está há 12 anos no poder e ainda não deu o golpe é muito incompetente, não? Que governo é esse que quer implantar o comunismo/socialismo/esquerdismo/petralhismo/bolivarianismo (pra essa galera é tudo a mesma coisa) dando cada vez mais lucros a bancos, privatizando bens estatais e recebendo fortunas de financiamento privado na campanha eleitoral, e troca de favores beeem privados? É muito non sense tudo isso, né? Mas a boataria se aproveita justamente disso: da desinformação. Desta forma, o debate democrático fica estagnado, a política se torna cada vez mais um rascunho de caricatura e perde-se a chance de falar sério e com responsabilidade.

Agora, nessa história toda, quem é franguinho e quem é raposa? Bom, no texto do Pondé publicado hoje na Folha, há 11 menções à palavra “bolivariano(a)”. Blogueiros de uma certa revista semanal já anunciaram um golpe, depois outro golpe, aí mais outro golpe, é tanto golpe que até o símbolo da Copa foi pintado de vermelho em homenagem ao comunismo. Bom… não é preciso falar mais nada, né? :P

Desordem Pública

Blog de humor e entretenimento que aborda assuntos do cotidiano de maneira descontraída, bem humorada e crítica, com o aval de um Anjinho e um Diabinho. Vencedor de 7 Oscars, 13 Prêmios Emmy, 15 Troféus Imprensa, 20 Shows do Milhão e de todas as edições do Passa ou Repassa.