por Luís Fernando Veríssimo
Diz a mecânica quântica
que as partículas atômicas
se comportam de um jeito
quando são observadas
e de outro quando estão sós
(como, aliás, todos nós).
E quem nos assegura
que o Universo que está aí
não é como aí está
quando ninguém está olhando?
E que quando os astrônomos
se viram do telescópio
para a prancheta
o Universo não faz
uma careta?
O corpo e a mente
têm biografias separadas,
cada um sua memória própria,
seu próprio jogo de charadas,
Meu corpo tem lembranças
– cheiros, tiques, andanças –
que a mente não registrou
e o corpo não tem as marcas
de metade do que a mente passou
(Pior que uma mente insana
num corpo sem muito assunto
é um corpo que já foi ao Nirvana
sem que a mente tenha ido junto.)
Cada um tem um passado
do qual o outro não tem pista
(como um bilhete amassado)
e nem o Mahabharata
explica uma mente anarquista
num corpo socialdemocrata.
Compartilham bioplasmas
e o gosto por certas atrizes,
mas não tem os mesmos fantasmas
nem as mesmas cicatrizes.
Das duas, uma, gente:
ou toda mente é de outro corpo
– ou todo corpo mente.
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