Uma Boa Leitura  

Pneumotórax, por Manuel Bandeira

leitura, poema, posia, crônica, texto

por Manuel Bandeira

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
– Diga trinta e três.
– Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
– Respire.

– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
– Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Uma Boa Leitura  

Desencanto, por Manuel Bandeira

por Manuel Bandeira

Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

– Eu faço versos como quem morre.

Uma Boa Leitura  

A Morte Absoluta, por Manuel Bandeira

por Manuel Bandeira

Morrer.

Morrer de corpo e de alma.

Completamente.

Morrer sem deixar o triste despojo da carne,

A exangue máscara de cera,

Cercada de flores,

Que apodrecerão – felizes! – num dia,

Banhada de lágrimas

Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.

Morrer sem deixar porventura uma alma errante…

A caminho do céu?

Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?

Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,

A lembrança de uma sombra

Em nenhum coração, em nenhum pensamento,

Em nenhuma epiderme.

Morrer tão completamente

Que um dia ao lerem o teu nome num papel

Perguntem: “Quem foi?…”

Morrer mais completamente ainda,

– Sem deixar sequer esse nome.

Uma Boa Leitura  

Vou-me Embora pra Pasárgada

por Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que eu nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada